Num lugar e numa altura onde não existiam telemóveis, tablets nem computadores. Onde a televisão, quando existente, era a preto e branco, e servia sobretudo para ver as notícias, sendo sempre preterida para a rádio e para os grandes jornais e extraordinárias revistas.
Numa altura onde o bom era estar com os amigos, conviver, ter boas e longas conversas, partilhar conhecimentos, apresentar amigos, ouvir boa música, dançar, ler e passear. Nessa altura, que ainda apanhei uma pequena amostra até aos meus 10 anos (1984), as pessoas sentavam-se à volta de uma mesa , ou no chão quando as mesas estavam ocupadas. Riam-se, rebolando no chão, irritavam-se, endireitando-se num chão de dupla camada de carpete, embelezada com tapeçarias.
Nessa altura, jogava-se cartas de todas as maneiras e feitios (🙄 pasmem os jovens de hoje que um dia, quem sabe, ainda irão ler isto).
Não fazem ideia de quantas fotografias existem neste arquivo, do meu pai em Moçambique, com pessoas a jogar cartas. Era bridge, canasta, crapot, tantos... e paciências.
Até nas paciências as meninas se juntavam em grupo. Uma fazia uma paciência no chão e todas se sentavam ou deitavam junto dela, conversando umas com as outras.
Lá se vai a imagem que tinha de que para as paciências, é preciso paciência e são jogos solitários.
Esta fotografia, sempre me disse muito.
Foi tirada em sua casa na Av. António Enes, em Lourenço Marques no ano de 1969/70 (cinco anos antes de eu nascer). Sempre que a vejo recordo o momento em que percebi o significado da carta Valete.
Situando no tempo e espaço:
Na minha fase do armário (1987, Lisboa), adolescência, sim, nessa fase 😜. Fase de mudança de carapaça de maria rapaz, que trepa e joga à bola não deixando de ser muito atinadinha, para uma amostra de "menina pessoa", educada de raiz mas com muitos "porquês" a vir ao de cima, a querer, não sabendo como, ser gente, não querendo deixar de ser criança e por isso, levava ainda (graças ao cosmos) alguns ralhetes da sua mãe.
Nessa fase, num dia em que andava em arrumações forçadas do meu quarto (um trabalho muito exigente! super entediante! Tanta coisa gira que poderia estar a fazer - nomeadamente nada!), o meu pai entrou no meu quarto e pus-lhe um casaco ou camisa nas mãos. Estava num corre-corre, para despachar o mais rapidamente o trabalho árduo que me obrigavam a fazer! Assim que o fiz ele disse numa voz baixa, calma, e assertiva - Eu não sou o teu Valet de Chambre*.
Eu? Parei. E pensei: - Quê?
O meu pai, lendo a minha reação, disse - o teu assistente pessoal de quarto -. E eu fiquei parada a fazer ligações de palavras na minha mente. Até que: Plim!💡- Pai, é por isso que o Valete das cartas se chama Valete? - Ao que sorriu, como se a responder: Sim!
Hoje quando estava a olhar para esta fotografia, voltei aos meus riddles... Por que raio é que esta carta de Valet, tem um B, e não um J (de Jack) ou V?
Resposta obtida, desta vez pela internet. É um baralho de cartas Holandês ou Alemão. Acredito mais no Holandês dada a proximidade com África do Sul. A resposta é:
- Em alemão o Rei é K (König), a Dama é D (Dame) e o Valete B (Bube)
- Em Holandês o Rei é H (Heer = um senhor respeitado), a Dama é V (Vrouw = a senhora do Heer), e o Valete é B (Boer = trabalhador).
Se há coisa que o meu pai iria adorar ❤️ desta época em que vivemos, seria a facilidade que temos para aceder a informação e ao conhecimento, partindo do pressuposto que filtramos a informação que recebemos. Mas ainda assim, conheceu e vibrou com a enciclopédia digital da Microsoft: Encarta 🥰
• Não confundir com o Valet de Chambre mudo, peça de mobiliário.
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