Testemunhos de uma Vida por Amigos, Familiares e Colegas


Maria João Seixas, fotografia retirada da Wook.pt

MANUEL MARTINS GOMES
por Maria João Seixas (amiga)
Lisboa, 2021

"Era seguramente o homem mais elegante da LM dos anos 60. Muito British, dizia-se. Tudo nele era de um bom gosto ímpar, do modo como se vestia, à decoração das suas casas, ao belo VOLVO verde garrafa que conduzia, à delicadeza, sempre muito atenta, com que tratava os amigos, falando sempre num tom, baixinho, quase arroucado.

Tive muita pena de já não ter apanhado a felicidade que o habitou ao conhecer a doce, bela e jovem Margarida, com quem se casou e viveu até ao fim dos seus dias. A Guida deu-lhe a alegria das alegrias, que sempre desejara que lhe acontecesse - uma filha, a querida Maria José, a Zé, de pele clara pintalgada de sardas, muito, mas muito parecida com o pai.

Vou picar nas minhas memórias alguns momentos engraçados, cómicos até, vividos ao lado do Manuel. MMG, conhecido pela rara educação dos seus gestos e palavras, tinha uma certa inclinação para fazer gaffes. Sempre que eu vinha a casa de férias, telefonava-lhe logo, sabendo que trataria de imediato de organizar para mim uma agenda de jantares, festas e passeios divertidos. Numa dessas vezes, levou-me com ele a casa de uns novos amigos, para jantar. Os anfitriões vieram receber-nos à porta e, depois de ser apresentada, MMG lembrou a gaffe que uns meses atrás tinha feito : advertiu os recém-chegados de um mau hábito que os laurentinos cultivavam, elegendo o “frango à cafreal” como a iguaria que mais os representava, receita essa que MMG achava sensaborona, um sem-graça. E qual era o prato da noite? O dito frango. Pois não é que a adorável dona daquela casa, sorrindo francamente para o Manuel e para mim, avisou que também na nossa noite teríamos o mesmo prato!!! Olhei para o meu querido amigo e vi-o empalidecer, sendo que na testa começavam a aparecer umas pérolazinhas de um aflito suor!

A próxima ainda foi mais de nos pôr todos a rir. Era Natal e o costume da terra obrigava os mais novos a apresentar, de casa em casa, os festivos cumprimentos; quando o Manuel chegou a casa dos meus pais, já devia ter feito uma longa ronda; em cada casa, recebidos os cumprimentos, oferecia-se um xinguito (normalmente whisky) e uns aperitivos, sendo de mau tom recusar; MMG tocou à nossa porta, fui com o pai recebê-lo, dei-lhe um abraço apertado de Boas Festas, o pai estendeu-lhe a mão, mão que o Manuel não apertou, mas…beijou! Tudo acabou em bem, com gargalhadas e comentários ao extenuante costume local das visitas natalícias.

Bem hajas, querido Manuel por teres sido tão meu amigo!

Mil beijinhos
Tia MJ"

[Para ver fotos de Maria João Seixas tiradas por Manuel Augusto Martins Gomes clique aqui]


MANUEL
por Maria Angélica Bacharel (cunhada e amiga)
Lisboa, 2008
in Doce Amarelo que Aquece


"Foi aparentemente pacífica a entrada do Manel no “clã” Bacharolo. E digo que foi aparentemente pacífica porque tendo em conta as tradições profundamente religiosas a família esperaria outra escolha por parte da nossa  “pequenina” . Acresce o facto que havia um sentimento de profunda protecção para com a mana caçula e todos nós, mais ou menos a medo, procurávamos chamar a atenção para a profunda diferença de idades entre ambos. 

Pese todas as nossas recomendações a mana Guida escolheu e decidiu e também como é de tradição o “clã” aceitou. Aceitou de uma forma expectante mas de coração aberto.

E o Manel entrou com segurança, com calma, dando-se a conhecer, mostrando que estava aberto a receber-nos como tinha recebido a Guida no momento em que ambos disseram sim dentro do seu coração. A princípio havia talvez uma pouca de cerimónia – era o cunhado mais velho, o que sabia muito, o que tinha lido muito, o que tinha contactado ao longo da vida com pintores, poetas e toda uma intelectualidade que aos nossos olhos de “alentejanos” lhe dava um não sei quê de superioridade – mas com o decorrer dos anos foi-se instalando no nosso coração. Era um irmão mais velho … sempre atento mas sem fazer perguntas, respeitando o espaço de cada um e dando uma palavra amiga sempre que necessário.

Para a Guida e aos meus olhos ele era um pouco o marido/pai que lhe dava segurança e lhe mostrava com o seu amor e a sua experiência qual a melhor rota a seguir. Para a Zé ele era o Pai amigo e o avô carinhoso e essa mescla foi, segundo creio, a grande base de educação que permitiu a forma como ela entrou na vida, acreditando no mundo e sendo capaz de mostrar os seus verdadeiros sentimentos. 

O Manel deu muito de si a todos nós. Havia nele um sentido nato da elegância misturado com charme, um saber ser e estar, um saber conversar que tornava qualquer almoço ou jantar em família como se fosse uma festa, onde nenhum detalhe era esquecido. 
E foi com essa elegância que envelheceu  … e foi com aprumo e com dignidade que nos deixou.

Sonhei esta noite com o Manel … foi lindo … estava muito doente (como esteve) e de repente abriu os olhos, olhou para mim e disse-me … parece que já estou completamente bem … Eu olhei para ele e abracei-o … Foi tão bom aquele abraço … ele estava mesmo bem. Como a Guida não estava … tivemos a preocupação de o levantar e de o sentar num cadeirão para lhe fazer uma surpresa…  E os médicos diziam … está bem mesmo … agora é parar com todos os remédios  e deixar viver. A Guida quando chegou não queria acreditar e preocupava-se com a alta e com tudo o que teria que organizar em casa … Foi lindo … ainda sinto o abraço do Manuel … Como recomenda a tradição, rezei por ele como coração e senti que estava tudo realmente bem … com ele e connosco que o amámos.

É com um carinho muito grande que recordo o Mano Manelito e embora haja saudade, o sonho desta noite tirou-me um pouco a  mágoa do meu coração e é com toda a serenidade que ando em frente com força e alegria,  com a certeza de que era isso que ele gostaria que acontecesse."


TIO MANUEL
por Joana Gomes Silva Lopes (sobrinha)
Lisboa, 2008
in Doce Amarelo que Aquece

"De ti, meu tio Manuel, ficam as palavras, sempre ternurentas, ditas de uma forma doce e com uma voz calma, que aquece a alma...e nos faz sentir especiais, como tu.
Com saudades, até um dia,   
Sobrinha Joana"



MANUEL
por Margarida Mimoso Cunha (amiga)
Lisboa, 2008
in Doce Amarelo que Aquece


"Olá Zezinha: (...) Fizeste uma homenagem ao teu Pai lindíssima, a sua leitura deixou-me mergulhada num mundo de recordações boas. 
Estou a ver o teu Pai com aquele sorriso dele, meio irónico, um sorriso que não quer ser mas é … orgulhoso das suas três meninas que o acompanham para além da vida. A tua Mãe também ficou tão contente e tão orgulhosa de ti, acho que depois da Constança era o melhor presente que podias ter dado à tua Mãe. 
Do teu Pai, um senhor, um cavalheiro só tenho boas recordações, um grande amigo. Não me esqueço de quando o ia visitar e ele já estava muito doente e mesmo assim ficar preocupado com o aborrecimento que podia ser irmos vê-lo. Essa delicadeza ponha-a nas suas amizades e até nos seus conhecimentos. A elegância que as fotos bem mostram era a sua parte mais visível, mas a sua convivência, o seu trato era também pautado pela elegância e delicadeza. A mim fica-me uma grande saudade de um amigo com quem tinha recordações de uma parte alegre e divertida das nossas vidas."


(tio) MANUEL
por Victor Manuel Carvalho Gomes (sobrinho)
Lisboa, 2022

"Tio, inesperado amigo.
Em 1951 tinha eu 6 anos e o Tio Manuel, possivelmente por não estar habituado a crianças, menos ainda teimosas e opinativas, proporcionou-me provavelmente o meu primeiro desentendimento. Não deixando por menos zanguei-me com ele e dei a saber.
O tempo passou, nessa idade em que o tempo teima em passar devagar, guardando a minha “mágoa de estimação”. Já com 11 anos, tendo confessado à Verinha tal sentimento, pelo meu aniversário chegou uma prenda dele.
Era uma caixa de cigarros...
Atenção, estávamos em 1956 e eram de chocolate.
Hoje seria uma prenda muito incorreta mas na época não e eram óptimos, produto gracinha a todos os títulos.
Começam então os meus “heart feelings” a ser vencidos, via palato imagine-se!
E o tal tempo que então era tão vagaroso, chega aos meus 29 anos.
Estava eu, uma bela tarde no bar do Polana numa visita a Lourenço Marques, quando a minha distracção se suspendeu interrompida por um sorriso bem dos Gomes e uma amigável saudação.
Era o Tio Manuel, imediatamente reconhecido como se o tivesse visto no dia anterior e quando eu disse “tio” ele simpaticamente me corrigiu, “Manuel”! 
Recomeçou então uma relação que parecia a mim, tentar recuperar algo passado.
E o bom disto tudo é a vida, que nos deixa descobrir que ele se habituou depressa a saber interagir com crianças, tornando-se aos olhos de todos um pai extremoso.
Era mesmo um cavalheiro o tio Manuel e tornou-se rapidamente num muito estimado amigo."

SENHOR MARTINS GOMES
por Maria Odete Girão (secretária Reunidas e 2M)
Lisboa, 2021

"Relembrar o senhor Martins Gomes a nível profissional, de quem secretariei e tenho muita saudade...
Uma pessoa  extremamente educada, simpática, tolerante, serena, nada complicada e com muito sentido de humor.
Pena foi ter sido só três anos, devido ao 25 de Abril, que nos levou a tudo se desmoronar.

Já estava na Distribuidora há três anos, mas era secretária do senhor Vasconcelos. 
Só quando houve a junção da Reunidas com a 2M é que fui trabalhar com ele.

Tenho muitos episódios engraçados que irei contar mais tarde."



MANUEL MARTINS GOMES
por Myriam Madzalik (colega na Finangeste e Cimobim)
Lisboa, 2022

Queridas Guida (Mãe) e Zé (Filha). Eis q consegui entrar no link e ir viajando com as fotos q partilham generosamente com os V/convidados/as.

Se me permitem a liberdade, realmente, o momento captado desta foto é muito feliz e deve trazer sempre, decerto, um sorriso de ternura, saudade, melancolia e felicidade por terem podido partilhar a vida com alguém como o querido Manuel Martins Gomes. E quanto ao texto, Parabéns pois comoveu-me deveras! E assim me inspiraram para enfim, hélas, deixar o meu singelo testemunho, conforme prometido há tanto!

Não tenho foto para partilhar, porém eis o q a minha memória vinda das brumas do passado traz à superficie de quem foi para mim o V/bem-amado Marido, Companheiro e Amigo da Guida e Pai extremoso da Zé:
a true Gentleman, sensível, profundo, perspicaz, sempre atencioso, educadíssimo e generoso oferecendo palavras amáveis e sinceras ou mesmo algum comentário witty q desencantava no momento adequado em q se encontrava. Tranquilo, cordial e de porte distinto tanto pela sua expressao verbal assim como pelos seus maneirismos very British, fazia-se distinguir entre os demais (tanto junto das Senhoras como dos Homens, fossem colaboradores ou não, independentemente do cargo q ocupassem profissionalmente, neste caso preciso, fosse na Finangeste ou na Cimobin), demonstrando desse modo q era um cidadão do Mundo, respeitando todos como se de uma única Família pertencessem.

Recordo-me q trocávamos temas bastante diversos e atuais, versando também sobre a Arte em geral e, a Música e o Coro da FCGulbenkian, em particular, por saber da minha alma artística e de cantora lírica, criando assim uma ponte pertencente a outra dimensão, deixando lá longe (por alguns momentos) os temas de mera funcionalidade do trabalho. A isto chama-se generosidade, criação de rapport e oferta de tempo aos outros.

São estas as minhas memórias dos anos 90 em Lisboa. Foi assim q tive o privilégio de o conhecer e q me faz trazer um sorriso pelo facto de alguém conseguir deixar de forma tão marcante, porém leve e graciosa, a marca eterna da sua presença na vida de outrém. E, por isso mesmo, expresso aqui gratidão juntamente com um suspiro, o desejo q mais almas singulares e únicas houvesse como a de Manuel A. Martins Gomes. 

Obrigada e Bem-hajam! 

Myriam Madzalik Duque de Moraes (vizinha na rua do n/querido Bairro Azul). 🙂

Para enviar testemunhos, por favor enviar para o e-mail manuelamgomes20@gmail.com