João Ayres e a Festa Brava - Lourenço Marques 1961

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João Ayres e a Festa Brava - Lourenço Marques 1961

Esta publicação é uma homenagem a um grande amigo do meu pai, João Ayres, que, infelizmente, não tive o privilégio de conhecer.

João Ayres e a Festa Brava - Lourenço Marques 1961 - MMG_N_AM_014 Fotografia de Manuel Augusto Martins Gomes. Não usar fotografia sem referência ao seu autor Manuel Augusto Martins Gomes e sem link para as páginas:  https://manuelamartinsgomes.blogspot.com/ https://www.facebook.com/ManuelMartinsGomesMemorias https://www.instagram.com/manuelamartinsgomesmemorias/ Qualquer informação adicional é bem vinda.  Poderão contactar-me através do endereço de email: manuelamgomes20@gmail.com #anos60 #joaoayres #festabrava #joaoayrespintura #joaoayrespintor #lourençomarques #lourencomarques #moçambique #mocambique #mozambique #manuelmartinsgomesmemorias #manuelamartinsgomesmemorias

De João Ayres, conheci toda a minha vida, até há uns meses atrás, os quadros que enchem de intensidade algumas paredes da casa onde cresci. Mas desde que comecei este meu projecto de recuperação do arquivo fotográfico do meu pai, comecei a conhecer o João Ayres, a pessoa fotografada. Enquanto catalogo e retoco negativos acabo por me dedicar sempre aos detalhes e é inevitável não viajar pelas expressões, pelos olhares e traços singulares, sem me envolver na cena em que me fixo. 

São muitos os negativos em que o João Ayres aparece. Em família, a solo, em reuniões de amigos, na praia, em casa, em exposições. Com apenas um ano menos que o meu pai, nos registos que tenho de 1959 a 1972, vejo a passagem dos dois da figura de jovens adultos a homens feitos - senhores - de bem com a vida e bem relacionados.

Por serem tantas as fotografias e à semelhança do que fiz para outras famílias igualmente fotografadas, perguntei no grupo de amigos do meu pai, se tinham algum contacto da família do João Ayres, para assim lhes poder dar uma cópia de todas as fotografias. Infelizmente ninguém tinha. O João Ayres, a Kitas Ayres, sua mulher, e sua filha Baizinha, já não se encontram entre nós.

O bom da boa vontade é que, quando menos esperamos, e no tempo certo, as coisas, se têm de acontecer, acabam mesmo por acontecer.

Um certo dia, via Instagram uma das primeiras seguidoras da página do Registo Fotográfico (obrigada Catarina Almada) viu uma das minhas publicações e reencaminhou-a para o ... neto mais velho do João Ayres, o Diogo! Uau, não é? 

Trocámos umas palavras, e contou-me que, tal como eu, estava de volta do acervo do seu avô João Ayres, e que inclusive se tinha mudado para a sua casa atelier. 

Em menos de 15 dias já eu estava a beber chá naquela casa, perto de Lisboa mas no meio do quase nada, sentada no chão de pernas à chinês em frente de uma mesa de centro quadrangular enorme, baixa, robusta e persistente ao tempo, tal como tudo naquela casa maravilhosa, parada no tempo e repleta de estórias por contar.

Atropelámo-nos um ao outro a falar das coisas que havíamos descoberto, cada um com o seu projecto, o meu de descobrir e partilhar a história de uma vida da minha pessoa fantástica e o dele de descobrir e partilhar a arte do seu avô. 

A dada altura conta-me a história de um painel que o avô havia pintado, e que não tinha passado no crivo da censura, tendo-lhe sido "aconselhado" a trocar as figuras dos homens dilacerados pelo cavaleiro, que simbolizava o colono, por Europeus, ao invés de africanos. O painel foi apresentado em exposição incompleto. Como a alteração retirava totalmente o sentido da sua obra, João Ayres destruiu aquela que considerou a sua Guernica.

- Lamentavelmente, não tenho qualquer registo fotográfico dessa obra -, disse o Diogo.

- Acho que a tenho por aqui - disse, depois de uma eternidade a tentar ligar o wi-fi.

Esta fotografia é uma das fotografias, numa exposição em Lourenço Marques em 1961, para a qual o Diogo Camilo Alves gentilmente cedeu o texto escrito pelo avô a justificar a apresentação incompleta com as alterações a obra que lhe haviam sido exigidas.

"Algumas palavras sobre FESTA BRAVA.

Creio que o quadro ainda incompleto que agora apresento nasceu da tentação estética de vencer uma grande superfície longe dos condicionalismos da “coisa encomendada”.

O quadro presente, e insisto em chamar-lhe quadro foi totalmente elaborado durante os meses de Maio a Outubro do ano findo e corresponde a uma tentativa de integrar algumas das possibilidades da pintura do nosso tempo na maneira pré renascentista das escolas italianas.

Também, e isto me parece fundamental houve a ideia de dar um passo para alem do abstracto presente humanizando uma figuração levada ao extremo em certas obras dos nossos dias, com plano de tal maneira ambicioso, natural é, que o quadro a certa altura estagnasse formando um todo de pântano intransponível.

O processo de criação, foi todo ele de análise consciente de cada pormenor, atirando para tal composição toda a experiência de anos de trabalho. Depois de ter ultrapassado até ao estado presente as mil horas de trabalho, o que como dado só interessa na medida em que revela todo o processo de criação, ficou-me a certeza de que a validade do processo era evidentemente aplicável embora no estado em que foi interrompido muito me parece susceptível de correcção. Abandonei portanto o trabalho e voltei me para uma nova maneira que não cheguei a executar, duvidoso de poder reentrar no processo anterior. Atrevo-me, porque não? A trazê-lo para a luz do dia na esperança de melhor puder reflectir sobre o assunto fora do ambiente do estúdio e em contacto com o publico.

Confesso, quanto as fontes de partida já indicadas para trás, não andarem longe também agruras ibéricas.

Como Português, sou também peninsular e aquilo que pertence a Goya ou a Picasso tem forçosamente de nos ser familiar também, e o processo de metamorfose deve ser idêntico.

Alguém encontrou neste quadro algo dos Mexicanos. Eu creio que melhor se diria de Moçambicano ou africano, pois parece-me evidente que de comum com os mexicanos tenho a minha posição de Europeu radicado num novo mundo.

Para terminar, gostaria de poder dizer qualquer coisa sobre o tema desenvolvido; acho no entanto que a selecção dos elementos estéticos foi tão minuciosamente seleccionada em relação ao conteúdo que torna desnecessário qualquer esclarecimento.

Os desenhos que acompanham são todos preparatórios para a “Festa Brava” mesmo quando o assunto figurado nada tem que ver  com o tratado no quadro. A sua companhia na presente amostra pareceu-me fundamental.

Lourenço Marques, 17 de Abril de 1961

João Ayres"


MMG_N_AM_014 Fotografia de Manuel Augusto Martins Gomes. Não usar fotografia sem referência ao seu autor Manuel Augusto Martins Gomes e sem link para as páginas:

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2Comentários
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  1. Parabéns ao Registo Fotográfico de M.A.M.G. que proporcionou o encontro do neto e da filha, de dois grandes Amigos: João Ayres e Manuel M. Gomes.
    Parabéns ao Diogo e à Zé, pelo excelente trabalho de equipa e pela Linda homenagem que lhes prestaram, publicando a história e a reprodução desta pintura espectacular.
    Obrigada a ambos 👍

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